quarta-feira, 30 de março de 2011

Sabedoria e Tristeza no Japão

Recebi e repasso este texto da monja Coen Sensei, que nos fala do Japão e dos japoneses através de um olhar budista, treinado como eles para conhecer e manter contato com o que é essencial na vida.




JAPÃO



Quando voltei ao Brasil, depois de residir doze anos no Japão, me incumbi da difícil missão de transmitir o que mais me impressionou do povo Japonês: kokoro.



Kokoro ou Shin significa coração-mente-essência.



Como educar pessoas a ter sensibilidade suficiente para sair de si mesmas, de suas necessidades pessoais e se colocar à serviço e disposição do grupo, das outras pessoas, da natureza ilimitada?



Outra palavra é gaman: aguentar, suportar. Educação para ser capaz de suportar dificuldades e superá-las.



Assim, os eventos de 11 de março, no Nordeste japonês, surpreenderam o mundo de duas maneiras.



A primeira pela violência do tsunami e dos vários terremotos, bem como dos perigos de radiação das usinas nucleares de Fukushima.



A segunda pela disciplina, ordem, dignidade, paciência, honra e respeito de todas as vítimas.



Filas de pessoas passando baldes cheios e vazios, de uma piscina para os banheiros.



Nos abrigos, a surpresa das repórteres norte americanas: ninguém queria tirar vantagem sobre ninguém. Compartilhavam cobertas, alimentos, dores, saudades, preocupações, massagens. Cada qual se mantinha em sua área. As crianças não faziam algazarra, não corriam e gritavam, mas se mantinham no espaço que a família havia reservado.



Não furaram as filas para assistência médica – quantas pessoas necessitando de remédios perdidos – mas esperaram sua vez também para receber água, usar o telefone, receber atenção médica, alimentos, roupas e escalda pés singelos, com pouquíssima água.



Compartilharam também do resfriado, da falta de água para higiene pessoal e coletiva, da fome, da tristeza, da dor, das perdas de verduras, leite, da morte.



Nos supermercados lotados e esvaziados de alimentos, não houve saques. Houve a resignação da tragédia e o agradecimento pelo pouco que recebiam. Ensinamento de Buda, hoje enraizado na cultura e chamado de kansha no kokoro: coração de gratidão.



Sumimasen é outra palavra chave. Desculpe, sinto muito, com licença. Por vezes me parecia que as pessoas pediam desculpas por viver. Desculpe causar preocupação, desculpe incomodar, desculpe precisar falar com você, ou tocar à sua porta. Desculpe pela minha dor, pelo minhas lágrimas, pela minha passagem, pela preocupação que estamos causando ao mundo.



Sumimasen. Quando temos humildade e respeito pensamos nos outros, nos seus sentimentos, necessidades. Quando cuidamos da vida como um todo, somos cuidadas e respeitadas.



O inverso não é verdadeiro: se pensar primeiro em mim e só cuidar de mim, perderei. Cada um de nós, cada uma de nós é o todo manifesto.



Acompanhando as transmissões na TV e na Internet pude pressentir a atenção e cuidado com quem estaria assistindo: mostrar a realidade, sem ofender, sem estarrecer, sem causar pânico.



As vítimas encontradas, vivas ou mortas eram gentilmente cobertas pelos grupos de resgate e delicadamente transportadas – quer para as tendas do exército, que serviam de hospital, quer para as ambulâncias, helicópteros, barcos, que os levariam a hospitais.



Análise da situação por especialistas, informações incessantes a toda população pelos oficiais do governo e a noção bem estabelecida de que “somos um só povo e um só país”.



Telefonei várias vezes aos templos por onde passei e recebi telefonemas. Diziam-me do exagero das notícias internacionais, da confiança nas soluções que seriam encontradas e todos me pediram que não cancelasse nossa viagem em Julho próximo.



Aprendemos com essa tragédia o que Buda ensinou há dois mil e quinhentos anos: a vida é transitória, nada é seguro neste mundo, tudo pode ser destruído em um instante e reconstruído novamente.



Reafirmando a Lei da Causalidade podemos perceber como tudo está interligado e que nós humanos não somos e jamais seremos capazes de salvar a Terra. O planeta tem seu próprio movimento e vida. Estamos na superfície, na casquinha mais fina. Os movimentos das placas tectônicas não tem a ver com sentimentos humanos, com divindades, vinganças ou castigos. O que podemos fazer é cuidar da pequena camada produtiva, da água, do solo e do ar que respiramos. E isso já é uma tarefa e tanto.



Aprendemos com o povo japonês que a solidariedade leva à ordem, que a paciência leva à tranquilidade e que o sofrimento compartilhado leva à reconstrução.



Esse exemplo de solidariedade, de bravura, dignidade, de humildade, de respeito aos vivos e aos mortos ficará impresso em todos que acompanharam os eventos que se seguiram a 11 de março.



Minhas preces, meus respeitos, minha ternura e minha imensa tristeza em testemunhar tanto sofrimento e tanta dor de um povo que aprendi a amar e respeitar.



Havia pessoas suas conhecidas na tragédia?, me perguntaram. E só posso dizer : todas. Todas eram e são pessoas de meu conhecimento. Com elas aprendi a orar, a ter fé, paciência, persistência. Aprendi a respeitar meus ancestrais e a linhagem de Budas.



Mãos em prece (gassho)



Monja Coen

terça-feira, 29 de março de 2011

Se a Paz não começar em mim..................

Se a paz não começar em mim, não começará.


Se eu levantar a bandeira da paz em desafio, não será paz.

É preciso erguer as bandeiras brancas com o coração de harmonia, respeito, compaixão.

Se nosso estado é de rancor, de vingança, de demonstrar nossa força, não terá a força de transformar violência em paz ativa.



Vamos caminhar silenciosos e amorosos.

Vamos nos encontrar e nos cumprimentar na certeza de que

todos compartilhamos da mesma casa comum.

É uma casa tão grande, de vidas tão diferentes.

É como é.



Este ser é inter ser e é transformação.

Nada fixo.



Podemos direcionar o caminho da mudança.

Vamos nos respeitar nas nossas diferenças.

Sem exigir que nos tornemos iguais, que pensemos da mesma forma,

que tenhamos a mesma religião e a mesma cultura.



Unidos estamos pelo ar, pelo céu, pela terra, pela vida e pela morte, pelo sonho,

a utopia que se realiza quando corações e mentes se unem no Caminho da Verdade.

Vamos nos respeitar nas diferenças de cor de pele, de culturas,

de gêneros, de alegrias, de tristezas, de curas e de doenças.



Caminhemos juntos, pois é inevitável.

Juntos estamos.

Juntos somos no cosmos.



Intersomos, numa rede fantástica de interconexões.

Interdependência de instantes que jamais se repetem.

Jamais.



Façamos deste o momento sagrado.

Deste local o solo, o céu, o ar, as águas e a vida abençoada.

Basta mudarmos só um pouquinho.



Da ganância, da raiva e da ignorância criamos o compartilhar,

o compreender, o saber superior iluminado da verdade.

Se tudo que começa termina, como terminará a época das guerras, das injustiças,

das fomes, das doenças, das tristezas, das discriminações, dos excluídos, afastados,

nefasta destruição da natureza?



Terminará com uma mudança de consciência do ser humano, com o

desenvolvimento das capacidades de sentir o outro como o eu, o eu como o outro.



Terminará quando retornarmos ao verdadeiro e resgatarmos a percepção de que somos um só corpo vivo e que da nossa cooperação amistosa, justa, todos poderão viver plena e dignamente.

Quantas mais pessoas descobrirem, e colocarem em prática, soluções de não violência ativa para conflitos, mais nos acercaremos da justiça social, do compartilhar da vida, da cura da Terra, da inclusão social, da preservação da natureza, do respeito à nossa casa comum,

na celebração da vida.



Pouco a pouco, dando tempo ao tempo, vamos nos reunindo, na grande tenda global.

Não da globalização licenciosa, que se aproveita para ludibriar, excluir e explorar.

Não.



A força global que nos une, a energia que perpassa tudo que existe,

permeia o globo terrestre e universalmente a existência.

Natureza-Buda.

Das forças a mais forte de todas.

Energia vital.

Amor universal.

Compaixão.

Com - Paixão.

Compartilhar a dor e o amor.



Apaixonados pelo bem das multidões de formas de vida e criações.

Apaixonados pela ação interativa de unir e não de separar.



Sinto a dor da fome das crianças da África e das crianças das periferias

das cidades grandes de todo o mundo.

Sinto a tristeza dos que sobrevivem aos ataques mortíferos de armas de guerra

e de desunião entre os povos.

Sinto o desespero da mãe solapada com pedaços de seu filho no colo.

Sinto a angústia do soldado correndo, matando e morrendo, ao obedecer ordens.

Sinto coragem, sossego e loucura através das drogas que me permitem continuar o combate.

Sinto o pesar das noites de insônia dos líderes tolos, perdidos em somas, em números e cores, incapazes de abrir seus corações amorosos.

Sinto a desesperança dos que são maltratados em longas filas hospitalares, quando lhes permitem entrar em fila, quando já não chegam mutilados de corpo e mente nos hospitais lotados e atarefados.

Sinto o cansaço e o temor das impossibilidades de mudança.

Sinto a tristeza e o rancor.

Sinto a violência se desencadeando em meu peito que é o seu.

Sem conseguir refreá-la me entrego a facas e balas.

Se não morrer no asfalto, na terra, boca cheia de formigas, morro nas prisões do mundo, atado pelos desejos insaciados, que não são apenas meus.

Sinto a dificuldade dos juízes em dar o parecer justo e o desespero do inocente que é culpado de ser pobre, de ser gente que não tem quem o defende.

Sinto todas as dores e me comovo de pronto Movendo junto a dor.



Mas também:

Sinto o prazer dos frutos adocicados nas bocas das crianças saudáveis do mundo.

Sinto a alegria do fim das guerras e da união dos povos.

Sinto a esperança da mãe na cura de doenças terminais.

Sinto a força de vontade dos jovens vencendo a dependência às drogas e se negando a matar

Sinto o sono tranqüilo de líderes corretos, cuidando das pessoas e de seu bem estar.

Sinto a eficácia de sistemas de saúde pública e particular, onde o mais importante é a vida.

Sinto a grande esperança nas possibilidades de mudança.

Sinto a ternura de um gesto, um olhar de compreensão nas alegrias de desarmar-se e manter as mãos abertas.

Sinto o prazer em aprender.

Aprendo a ficar satisfeita.

Sinto a justiça dos seres corretos, onde o culpado não é apedrejado nem morto, mas posto a convívio que purifica, que arrepende e que modifica para o bem.

Sinto o contentamento de ser, intersendo.

Sinto da vida todas as alegrias e com os rios fluindo, fluo e me rio.



Não há um inimigo.

Não se iludam, não há.

Nenhum país.

Nenhuma pessoa.



Seria tão fácil, tão simples dizer foi ela, foi ele.

Tão cômodo poder apontar para fora e gritar: assassino, corrupto, ladrão..

Escapando das suas responsabilidades de habitante grupal.



Não se iluda dizendo ser bom e o outro mau.

Perceba que somos o bem e o mal; a luz e a sombra em todo seu potencial.

Fazemos escolhas.



Mas estas dependem de tudo com que nos alimentaram, tudo com que nos

capacitaram e nós mesmos nos capacitamos.

Até nisso, veja bem, somos todos responsáveis.



Se o Presidente Bush ameaça e se prepara para um ataque fatal, apoiado por mais de 60% das pessoas de sua terra natal é porque não lhe ensinaram soluções de paz ativa.

Qual foi a educação que teve, que soluções lhe ensinaram?

Quem o assessora agora?

Por que e como o elegeram?

Tudo isso tem a ver.

Nada está isolado.



Ao invés de o odiar, de ao seu país querer mal, precisamos é nos unir no pensamento e na ação de amar e compreender, de vivenciar a compaixão.

Isto não quer dizer que não devemos fazer nada.

Muito pelo contrário.



Só que a mudança que falo, mas poderosa que guerras,

que revoluções internas e externas é a mudança do coração.



Quando percebi do que é capaz, um ser humano que compreende e se transforma

em agente da paz, pensei que era revolucionário demais.



Agora sigo o caminho e sempre me perguntando: como é que posso fazer para conduzir o maior número de seres à Iluminação, à Verdade e á Vida em comunidade?



Está na hora do despertar da humanidade.

Bom dia!



Que haja discernimento correto na opção da vida.

Que conheçamos os três venenos temíveis a serem evitados: a ganância, a raiva e a ignorância, nos seus disfarces mais variados.



A maioria de nós demora a perceber o próprio envenenamento.

Devem ser apiedadas, orientadas e não apedrejadas.



Não queimem bandeiras.

Não joguem pedras.

Não gritem insultos.

Não condenem pessoas, mas situações.



Podemos juntos transformar a maneira de ser dos habitantes da Terra.

Com isso modificaremos o habitat.



Faremos daqui o local, não da espera, mas do chegar.

Onde se fica bem.

Onde a vida cuida com cuidado uns dos outros.

No afago ao recém nascido

A benção da esperança.

Tudo será diferente,

Pois tudo que queremos aqui mesmo se alcança.



Oremos e meditemos, junto a muito trabalho,

Construindo e aprendendo uma nova maneira de ser.



Um outro mundo possível onde a cultura é da paz..

Aprendendo a cada instante

A ser mais livre e melhor.



Não aquela liberdade anárquica e saltitante

Que não considera o todo e pensa só na sua estante.

Como livros bem guardados e amarelados, comidos por traça e cupim.



Nossos pensamentos lacrados se fecham.

Congelados, desgastados, poluídos, maculados.

Sem se manifestar

A verdade mais profunda fica esquecida, deixada.



O falso vai num crescendo

Crescendo.

Seu som engolfa o mundo.

Todos pensam que é o fim, que tudo está tão errado, que não se pode mudar.

Errado.



Pausa.



Volte seu olhar para dentro.

Examine com cuidado.

Perceba o elo sagrado.

Seja ele com Senhor Buda, Ramsés. Íris, Profeta Mohamed, Jesus, Deus, Orixás, divindades, espíritos encarnados e desencarnados.



Este elo nos une e não nos separa.

Há quem diga que as religiões criam guerras.

Se forem verdadeiras não as criarão.

Ao contrário, criarão soluções de não violência e respeito, de amor ao que é de direito.

Vamos nos unir criando com nossas vidas uma rede de bem.

Que cubra toda a terra.



Vamos criar essa teia de percepção verdadeira.

Relembrar.

Relembrar o verdadeiro.

Estamos todos ligados.

Interconectados.

Corpo e mente não são dois.

Imagem, reflexo e semelhança.

Vista a camisa da Cultura de Paz.

Substitua Guevara por Gandhi.



Re aprenda a querer bem, a mudar, sem ter de matar ou morrer.